Doutor Figueiredo

Leonardo Calado
3 min readSep 17, 2024

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Tive o prazer de entrevistar esta semana o Doutor Figueiredo para o Plantão da Noite. Ele trouxe consigo uma pasta contendo centenas de casos arquivados de sua antiga carreira de investigação particular, antes de tornar-se “o advogado mais boa pinta da televisão”, segundo o próprio.

Deixou a pasta em cima da mesa de meu escritório e começou a relatar sobre as origens de sua carreira. Como um bom entrevistador, anotei cada pergunta de antemão e as recitei na ordem que mais faria sentido, de forma a guiar a prosa da melhor maneira.

Segue a transcrição:

O que te fez desistir da carreira de investigador, Doutor?

Sabe, o de sempre. Aquela montanha de casos arquivados. Esta, bem aqui na mesa, na verdade, tem praticamente todos eles. Desde traições até… traições. [risos] Você sabe como é o trabalho, né?

Na verdade, me parece que você não era tão bom assim [risos].

Interlúdio: ele ignorou minha resposta.

Bom, e como está sendo esta nova empreitada no mundo jurídico?

Eu tirei meu diploma de Direito há muitos anos. Só optei por não exercer. Com minha aposentadoria da carreira investigativa, decidi finalmente usar de algo. […] Os casos começaram simples, porém minha carreira investigativa garantiu um sucesso rápido.

E qual seria o mais recente? É possível contar?

Se eu quiser ser processado pelo meu próprio cliente, talvez [risos].

Crise de meia-idade? Homicídio?

Não, não. Esses eu prefiro deixar para os especializados.

Então está me dizendo que o senhor é uma fraude, senhor?

O quê? Não. Apenas sigo uma área específica.

Adultério, senhor?

O quê?

Você parecia bastante interessado em adultério durante sua carreira investigativa.

Não era interesse, era… que perguntas são estas?

Ele tirou as anotações de minha mão e leu em voz alta, em ritmo pausado, sobrancelhas arqueadas.

O senhor já usou drogas?

Nunca. Não sei por que o senhor está sugerindo algo ultrajante deste nível.

Eu só estou lendo o que está no papel. Sua mãe é casada?

Desculpe… sim, ela é.

“Levar a conversa até o ponto onde ele desista e me mande para uma clínica”. O que diabo é isto?

Não… não sei. Pode me devolver as anotações?

Espere, uma lista de compras? “Serrote, furadeira, ácido…”. O que é tudo isto? Você é um jornalista de verdade?

Sim, senhor. Tenho até credenciais. Estão lá no…

Figueiredo se levantou e entrou em meu quarto sem autorização.

Quarto.

Após alguns minutos, o Doutor Figueiro retornou com uma lata Frutaze, um giz de cera e meu livro sobre Rituais Para Jornalistas Fracassados. Fez um círculo no chão, um pentagrama no centro e derramou a latinha. Em seguida, recitou:

Klaatu Verata Nikto.

O portal aberto revelou as dezenas de corpos escondidos de minhas matanças anteriores. Logo tudo fez sentido para o Doutor: eu precisava alegar insanidade no tribunal, direcionando a conversação para o homem pensar que eu era um insano.

Cerca de dez segundo depois, um cramunhão de três metros foi chamado para meu abate por meio de outro recito de Figueiredo. Digito este texto durante meu período de danação eterna no colo do capeta. Um dia me vingarei do jornal que tirou tudo de mim. Morte ao Plantão da Noite.

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Written by Leonardo Calado

Tento escrever coisas engraçadas (as pessoas dizem que funciona).

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