Família Scaloni — Parte I
Roberto Scaloni era o maior mafioso de Nova York. Um ás do crime organizado; sempre bem vestido e trajado com sua camisa, gravata e paletó. Quem o via pela rua o chamava de Doutor Scaloni, mesmo que o homem não tivesse completado a quinta série.
Ele organizava passeatas, sorteios e até mesmo competições de tiro ao alvo. O alvo, claro, sendo os chefões das outras famílias. Quem matasse um chefão ganhava um bônus de quinze mil dólares e férias para as Bahamas. Scaloni era um homem íntegro que amava sua família cruel.
Quando não mandava executar sua concorrência, o mafioso jogava críquete com seus velhos amigos de infância: Thomas Caruso e Leonardo D’Ângelo, que vez ou outra faziam breves serviços para Roberto, seja traficando drogas ou botando corpos para nadar junto aos peixes. Ele era muito poderoso; a polícia e os políticos estavam em suas mãos. Scaloni não comandava a cidade. Ele era a cidade.
Tudo mudou, porém, quando seu primeiro filho, Vincenzo “Vince” Scaloni nasceu em 9 de Outubro de 2004 e, com doze anos de idade, no Natal de 2016, virou para seu pai e disse, para a decepção do mafioso:
— Pai, eu quero trabalhar com T.I.
Aquilo atingiu Roberto Scaloni no coração. Como assim o jovem não gostaria de seguir os passos da família, transformando a concorrência em alimento de piranha? Fingiu não se importar o bastante, mas logo chamou seus caporegimes de confiança e seu consigliere para um debate a respeito do futuro da família Scaloni.
— Um ultraje, padrinho. É isso o que é. Temos que dar um fim antes que se reproduza — disse um homem robusto, calvo e de ética duvidosa. Seu nome era Salvatore Colombo, o nefasto caporegime da família Scaloni.
— Isso não tem sentido. Ele é só um garoto, vai aprender com a vida — rebateu o outro caporegime, Thomas Corleone. Ele era um homem esguio, romântico e encantador. E também fora o mais eficiente executor da família Scaloni.
Roberto fez um gesto de silêncio e virou para seu consigliere.
— Antonio, o que sugere? — perguntou o mafioso com sua voz ríspida.
— Creio que podemos dar um susto no rapaz e então desenrolar a partir disto. — Sugeriu o consigliere Antonio Esposito.
E foi o que fizeram. Por semanas planejaram como dar cabo do moleque sem precisar manda-lo para uma viagem só de ida para o mundo dos sonhos. Então, uma epifania: um novo sucessor. Marcou um encontro romântico com a Sra. Aurora Scaloni em um chiquérrimo restaurante tradicional, o Pacino’s.
O jantar foi efetivo e, quando voltaram para casa, caíram na cama para uma boa e velha scopata. Nove meses após o acontecido nascera um novo menino, Enzo Scaloni.
— Ele é lindo — disse Aurora, emotiva na cama do hospital. — Nosso segundo garotinho.
Quase cinco anos depois, durante a pandemia da Covid-19, Vincenzo estudava remotamente e Enzo brincava no quintal com seu pai.
— Papai.
— Sim, Enzo?
— Eu acho que sei o que quero ser quando crescer.
Roberto congelou. Aquela era a hora da verdade.
— E o que seria, filho?
— Essa gente morrendo tudo me faz pensar bastantão assim — fez um gesto de tamanho. — E aí eu fiquei triste.
Será que ele quer ser médico?, Roberto perguntou a si mesmo. Ao menos é melhor do que T.I., e pode ser útil na família.
— E então?
— Eu quero ser vendedor de sabão.
E naquele momento, Roberto Scaloni decidiu fazer o impensável para uma família italiana tão conservadora: adotar uma menina.