O Dia em Que Morri

Leonardo Calado
2 min readJan 18, 2025

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Acordei no vácuo de minha mente anteriormente moribunda que agora jazia soterrada por quilos de terra. Não havia temperatura, tampouco gosto ou cheiro. Os sentidos existiam, pois podia sentir minha pele se decompondo aos poucos; as minhocas e outros bichinhos vagando pelo meu corpo decrépito. Entretanto, tudo que via era o nada. É impossível descrevê-lo, considerando que a inexistência por si só já é um conceito criado pela humanidade, sendo, portanto, já alguma coisa; definitivamente não sendo o nada.

Será que estava esperando minha reencarnação? Iria encontrar Deus? Ou apenas vagava por um espaço infindável de vazio inexistencial? Seria tão difícil pensar a respeito da minha própria, recém-adquirida, inexistência? Afinal, eu já existi. E eu ainda pensava, então continuava existindo? Mas isso não fazia sentido, porque ali estava eu: testemunhando o nada com meus próprios olhos — se é que eu podia dizer que possuía olhos, boca, ou quaisquer outros termos inventados para conceitualizar a anatomia do que um dia fui. O vazio nunca dar-me-ia estas respostas.

Então começo a escrever, o que teoricamente não seria possível durante meu estado lastimável semi-existencial. No entanto, ali estava eu, escrevendo isto que você está lendo agora. Para você, apenas um narrador-personagem pagando de reflexivo. Para mim, provavelmente a mesma coisa. Estou tão vivo quanto você, considerando que o conceito da palavra “vida” também foi inventado por alguém tão desocupado quanto um morto como eu. Por algum motivo tudo precisa de nomenclaturas. Por que a vida é o oposto da morte e não um sinônimo? Quando nascemos deixamos a inexistência para trás e, por consequêcia, a matamos? A vida é a morte da morte e a morte é o falecimento da vida?

Me pego pensando se piscar algumas vezes me permitiria acordar em outra dimensão em que a morte não é tão vazia. Será que fui com Deus ou apenas morri sozinho em minha casa de campo um dia após o golfe semanal com meus amigos bilionários? Eu sequer fui rico? Se eu não fui, lástima. Queria ter sabido como é a sensação de ter o poder de aquisição virtualmente infinito.

Não sei o que aconteceu, mas um dia descobrirei. Enquanto esse dia não chega, vou viver minha vida.

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Written by Leonardo Calado

Tento escrever coisas engraçadas (as pessoas dizem que funciona).

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