O Espelho
O reflexo do espelho era como um filtro de internet. A leve distorção de minha aparência era o suficiente para a criação de mil cenários imaginários que poderiam ser ou não vividos. Os momentos de tédio, raiva, angústia, agonia, alegria, êxtase e tesão se misturavam em um oceano de questões não respondidas. E todos estavam lá. No espelho.
Revelações de quem eu era e de quem gostaria que eu fosse estavam lá, vívidos naquele mágico objeto refletor de luz. Todas as cores me observavam em uma suposta limpidez disfarçando o olhar de julgamento. Tudo isso no espelho.
O espelho era real e metafísico. Ele estava lá em todos os momentos: enquanto eu dormia, durante o almoço; em momentos sérios ou tristes. Uma abstração onipresente do meu próprio eu. Minhas idiossincrasias e tiques pertenciam ao seus olhos julgativos.
O objeto poderia estilhaçar-se, mas permaneceria observando. Mesmo quebrado, funcional. Desfigurado, porém vivo. Ele dividiria-se em mil pedaços e cada um refletiria a mim e a eles próprios, como lâminas procurando seu próximo alvo.
O reflexo de mil reflexões extasiava-me durante minha ponderação em frente ao espelho. Significados e repetições. Vivências e ciclos. A reflexão do reflexo. A música, a literatura, o cinema, a dança, a pintura, a escultura e a arquitetura. O que inspirou e o que foi inspirado. O que nos disseram e aquilo que nós ouvimos. As distorções e os fatos. Os achismos e verdades.
Tudo diante de mim. No espelho.