Relato de um Escritor Relativo

Lembro-me de quando aprendi a ler. Foram meses e meses até eu conseguir aplicar na prática a dica de “juntar as letras” que meus pais viviam me falando, porém enfim eu havia conseguido. Na minha memória, entretanto, o fato ocorreu de uma forma, enquanto para meus pais ocorrera de outra. Evidentemente irei contar da minha maneira.

Não lembro exatamente a minha idade, mas chuto que tinha por volta dos meus cinco anos e eu estava tentando “juntar as letras” por meio de uma caixa que minha lembrança acredita estar escrito “Mônica” ou coisa do gênero; só lembro de haver uma letra “M” e rimar com “Sônica” (provavelmente). Forcei até conseguir.

Encantado com a recém-adquirida habilidade, corri para contar aos meus pais sobre o ato incrível que seu filho realizara após muita persistência e teimosia — acredito que esta última característica seja o traço definidor da minha personalidade.

Eles ficaram extremamente felizes, e então me propuseram a ler outras coisas para atestarem com certeza. Então o fiz. Letra após letra, palavra após palavra, oração após oração, eu gabaritava todas as sentenças. Enfim havia aprendido a incrível mágica das frases.

Eu já sabia escrever meu nome antes disso, no entanto, possivelmente, aquele foi o momento do tempo que definiria tudo o que viria a ocorrer em minha vida depois. Havia descoberto o poder da palavra e dos significados e significantes (na época, evidentemente, sem entendê-los com clareza ou sequer ouvindo falar sobre).

Anos passaram e comecei a escrever mais e mais, cada vez evoluindo um pouco. É até estranho relembrar em como minha ambição era apenas tornar-me um ator e partir rumo ao pressuposto sucesso nas telonas. Não que eu tenha deixado de aspirar a atuação, porém a prioridade tornou-se outra e o cinema em geral tomou conta de minha personalidade.

Antes da palavra, as coisas eram porque eram. Depois dela, as coisas são porque um dia já foram. E um dia elas serão porque estão sendo. Neste momento do tempo.