Retro-Condutores Para Retroprogramar
— Está funcionando.
Era uma casa localizada no interior do país, afastada dos grandes centros como desejado pelo seu residente Marcos Lagoa, um homem alto, ranzinza e de feições nada angelicais. Ali poderia descansar nas férias após meses de trabalho na cidade de Desajeito, e agora, com seu novo Retro-Condutor, estava pronto para um mergulho no mundo dos sonhos acordados. O leitor de sinapses do aparelho estava oficialmente ativo.
Questionou ao instalador quanto lhe devia: quatrocentos trâmites. Pagou pressionando sua digital contra a maquininha adesivada com imagens de jogos eletrônicos. Marcos notou, mas não perguntou nada a respeito. Cada um é cada um, ele vivia dizendo. O homem saiu e ele fechou a porta, ficando só em sua espaçosa sala pouco elegante; comprara há pouco tempo após muitos anos de economia, então os únicos móveis visíveis eram um sofá velho e um Micro-Televisor estilizado da década de 1950 da Primeira Geração.
Sentou no móvel e bateu palmas para ligar o Micro-Televisor. Nenhum efeito.
— Corta! — alguém disse ao fundo. — Ótimo trabalho, Freitas. Mas eu não entendi uma coisa: não era pra você chamar o instalador pra dentro, nem falar com ele. Não gostou do briefing?
Tomás Freitas entregou um papel ao homem: o briefing da cena. Estava todo rabiscado e com modificações. Ele olhou atentamente enquanto o ator falava.
— Acredito que o Marcos não precisa ser tão carrancudo. O que você quer passar de impressão pros clientes?
— Quero que eles comprem os produtos da Retro-State.
— Exato. E um personagem assim vai dizer o que a respeito da companhia? Eu admiro o formato em prosa, ele é culto, dá bom desenvolvimento e personalidade pro negócio… mas achei que era melhor alterar.
O diretor assentiu. Freitas sempre queria dar mais drama e ênfase ao produto nos comerciais em que participava. Era vencedor de dois Prime Awards até resolver se aposentar e passar o manto para o seu aprendiz Robert Moore.
O sinal foi dado, as gravações recomeçariam em cinco…
Quatro…
Três…
Dois…
— Corta!
Um outro homem surgiu com um megafone e foi até os dois.
— O que vocês estão fazendo?
— O comercial pros novos equipamentos da Retro-State, senhor. Conforme o roteiro — disse o até então diretor.
— Vocês estão péssimos. Isso não causa intriga. O povo adora uma história meta, por isso que é a temática perfeita pra vender um produto que satisfaz o desejo do…
— Povo.
— Exatamente, mas vocês estão sendo completamente anti-imagem, ninguém vai conseguir visualizar nada assim — o diretor (de verdade desta vez) tossiu e ajeitou sua gravata colorida. — E a impressão de Tomás Freitas do Estevan é péssima. Pare de tentar.
— Certo, senhor — disse Estevan, cabisbaixo.
O diretor voltou para sua cadeira no estúdio. Acendeu um charuto importado da Neoamerica escrito “SMOKING PLEASURE” em dourado na lateral marrom e ligou o megafone novamente, ainda que não fosse necessário devido ao microfone implantado em sua garganta — ele gostava apenas de parecer o mais sério e profissional possível, tal como os grandes artistas da sétima arte da Primeira Geração.
— Ação! — e assim começou.